05 março 2008

Rãs e Batuques: cineasta americano Jason Khon Manda Bala na alegorização da violência no Brasil

A primeira impressão que temos após assistir o filme Manda Bala (Send a Bullet) é de que foi realizado por um estrangeiro. No entanto, Jason Khon (foto ao lado), 28 anos, apesar de se considerar como um judeu Nova Iorquino, é filho de brasileira com argentino, este último morador de São Paulo há mais de sete anos. Falar português, ele não fala, prefere dar entrevistas em inglês, apesar de compreender um pouco a língua natal de sua mãe. Manda Bala é seu primeiro filme e levou cinco anos para ser concluído. Antes ele havia trabalhado com o famoso documentarista americano Errol Morris (The Thin Blue Line) conhecido por ter adotado certas técnicas da narrativa ficcional no documentário, tornando-o assim tão atraente e enigmático quanto um filme de entretenimento. Aliás, este um dos objetivos de Manda Bala, admitiu o diretor numa conversa com a platéia após a exibição de seu filme nos Estados Unidos.

Mas, o que incomoda em Manda Bala é o seu tom irônico e a sua abundância de clichês sobre a terra brasilis e suas contradições. Na visão de Khon, todos os males sociais brasileiros são facilmente explicados, e ele mostra o porquê de tanta violência urbana e segregação social: a corrupção política, que se tornou parte da cultura local. Um problema, segundo ele, negligenciado pelo povo e por uma sociedade injusta e mal discutido na mídia e no cinema nacional.

E, como a corrupção integra a cultura brasileira, a “culpa” é de toda a nação e não somente dos políticos e governantes. Nesta roleta russa ninguém escapa na visão do diretor e tudo pode se tornar alvo à ironia e ao sarcasmo. A alegoria no filme vem através da música, principalmente sambas-exaltação e batucadas à la Jorge Ben dos anos 60 e 70, que em descompasso com as imagens gera um segundo discurso. Este muitas vezes é ainda mais provocador e crítico sobre os fatos narrados.

Tudo é potencializado por um “tom” que o próprio diretor me definiu como “impressionista”. Para tal Khon utiliza uma imagem ímpar de um escândalo envolvendo o senador Jader Barbalho: um ranário. A criação de rãs se torna ponto de referência e análise da situação brasileira. Como um país miserável e atrasado como o Brasil, pode se tornar num dos maiores exportadores de rãs do mundo? Um animal sui generis, que se transforma prato exótico nos restaurantes do primeiro mundo e, que é capaz de comer a própria espécie na falta de alimentação. De um escândalo à outro, ou de uma contradição à outra, o diretor remete à exploração política à pobreza das periferias e à geração de uma das maiores indústrias de seqüestros do mundo. Que por sua vez, gera um dos mais renomados cirurgiões plásticos, especializado em reconstituição de orelhas. Um órgão comumente alvo da violência dos seqüestradores nos pedidos de resgate junto aos familiares das vítimas.

Assim, tudo se torna muito simples e compreensível nas argumentações do filme de Khon, como um efeito de causa e conseqüência. Não existe nenhum tipo de questionamento e reflexão sociológica, antropológica ou filosófica sobre a situação brasileira mas sim um raciocínio pragmático e cartesiano. Khon entrevistou uma série de personagens da sociedade brasileira: um executivo de São Paulo, usando pseudônimo e completamente disfarçado, que admite ter colocado dois chips rastreadores de duas companhias de seguro diferentes em seu corpo e ter gasto na blindagem de seu carro de esporte de alto luxo um terço do valor do mesmo; um seqüestrador da periferia paulistana que admite ter seqüestrado, mutilado e matado um sem número de pessoas e que se responsabiliza pela segurança e bem-estar dos moradores da favela; um cirurgião plástico ao lado de sua piscina; uma carioca que conta os horrores de seu seqüestro e a reconstrução de sua orelha; um criador de rãs; um policial da equipe anti-seqüestro; o advogado geral da República e ainda Jader Barbalho que fala de sua dedicação ao povo paraense.

Todas as entrevistas tem uma particularidade, a maioria dos entrevistados aparecem sempre ao lado de seus respectivos tradutores (veja foto ao lado), já que o diretor conduz as entrevistas atrás da câmera em inglês. Esta técnica, segundo o diretor, tem a principal função de evitar as legendas para o público americano, já que ao invés de ouvir apenas em português, eles podem facilmente entender as respostas diretamente traduzidas para o inglês. No entanto, ele substitui em muitos momentos a voz dos entrevistados pela voz dos tradutores o que aumenta ainda mais o distanciamento e desengajamento do filme com o assunto tratado.

No filme não faltam ainda imagens contundes e fortes de revirar o estômago de qualquer mortal, como uma orelha sendo decepada por um seqüestrador, vítimas sendo torturadas em cativeiros, rãs engolindo umas às outras, cirurgião reconstruindo uma orelha. E o que é mais impressionante são as crianças pobres nas ruas do bairro Jaderlândia da periferia de Belém, que se divertem imitando seqüestradores cortando as orelhas de seus seqüestrados. Ironia do destino ou pura coincidência “jornalística” do momento presente? Nada disso, Khon admite ter pedido às crianças para fazer a mímica da violência.

O filme ganhou dois prêmios num dos festivais mais conceituados do cinema independente, o Sundance, organizado pelo ator Robert Redford: grande prêmio do júri e melhor fotografia (cineasta paranaense Heloísa Passos). Atualmente está em cartaz em algumas salas americanas e participa de vários festivais de cinema como Roma e Vancouver.
No início do filme a primeira imagem é de uma cartela dizendo que o filme não pode ser visto no Brasil. O espectador se prepara para o pior e pode se perguntar: “Que país anti-democrático é este onde a censura ainda persiste?” Nas explicações do diretor, o filme recebeu ameaças de processo na justiça por parte de um dos entrevistados (que o diretor não quer revelar o nome) caso este seja apresentado em solo brasileiro e os produtores não tem dinheiro para arcar com os custos de uma possível defesa judicial. Alegação impressionante visto a qualidade técnica empregada na produção, onde inclusive cada entrevistado tem ao seu dispor um tradutor diferente.

Ao término da projeção do filme, o espectador pode se perguntar: “Afinal quem poderia censurar este filme e com que argumento, já que todas as entrevistas foram concedidas de comum acordo, mesmo a do senador Barbalho, que aliás este não revela absolutamente nada a não ser dos seus benfeitos políticos?” A maioria das imagens e informações sobre os escândalos envolvendo o senador apresentadas no filme de Khon foram extraídas de jornais e televisões brasileiras. Ou Manda Bala é oportunista ou falta com a “ética-social”, aquela do tato e do cuidado ao lidar com temas polêmicos e delicados de uma sociedade estrangeira. Aliás, um cuidado que todo documentarista deve ter quando mira sua câmera para uma realidade qualquer.

Hudson Moura

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