
Mas, o que incomoda em Manda Bala é o seu tom irônico e a sua abundância de clichês sobre a terra brasilis e suas contradições. Na visão de Khon, todos os males sociais brasileiros são facilmente explicados, e ele mostra o porquê de tanta violência urbana e segregação social: a corrupção política, que se tornou parte da cultura local. Um problema, segundo ele, negligenciado pelo povo e por uma sociedade injusta e mal discutido na mídia e no cinema nacional.
E, como a corrupção integra a cultura brasileira, a “culpa” é de toda a nação e não somente dos políticos e governantes. Nesta roleta russa ninguém escapa na visão do diretor e tudo pode se tornar alvo à ironia e ao sarcasmo. A alegoria no filme vem através da música, principalmente sambas-exaltação e batucadas à la Jorge Ben dos anos 60 e 70, que em descompasso com as imagens gera um segundo discurso. Este muitas vezes é ainda mais provocador e crítico sobre os fatos narrados.

Assim, tudo se torna muito simples e compreensível nas argumentações do filme de Khon, como um efeito de causa e conseqüência. Não existe nenhum tipo de questionamento e reflexão sociológica, antropológica ou filosófica sobre a situação brasileira mas sim um raciocínio pragmático e cartesiano. Khon entrevistou uma série de personagens da sociedade brasileira: um executivo de São Paulo, usando pseudônimo e completamente disfarçado, que admite ter colocado dois chips rastreadores de duas companhias de seguro diferentes em seu corpo e ter gasto na blindagem de seu carro de esporte de alto luxo um terço do valor do mesmo; um seqüestrador da periferia paulistana que admite ter seqüestrado, mutilado e matado um sem número de pessoas e que se responsabiliza pela segurança e bem-estar dos moradores da favela; um cirurgião plástico ao lado de sua piscina; uma carioca que conta os horrores de seu seqüestro e a reconstrução de sua orelha; um criador de rãs; um policial da equipe anti-seqüestro; o advogado geral da República e ainda Jader Barbalho que fala de sua dedicação ao povo paraense.

No filme não faltam ainda imagens contundes e fortes de revirar o estômago de qualquer mortal, como uma orelha sendo decepada por um seqüestrador, vítimas sendo torturadas em cativeiros, rãs engolindo umas às outras, cirurgião reconstruindo uma orelha. E o que é mais impressionante são as crianças pobres nas ruas do bairro Jaderlândia da periferia de Belém, que se divertem imitando seqüestradores cortando as orelhas de seus seqüestrados. Ironia do destino ou pura coincidência “jornalística” do momento presente? Nada disso, Khon admite ter pedido às crianças para fazer a mímica da violência.
O filme ganhou dois prêmios num dos festivais mais conceituados do cinema independente, o Sundance, organizado pelo ator Robert Redford: grande prêmio do júri e melhor fotografia (cineasta paranaense Heloísa Passos). Atualmente está em cartaz em algumas salas americanas e participa de vários festivais de cinema como Roma e Vancouver.

Ao término da projeção do filme, o espectador pode se perguntar: “Afinal quem poderia censurar este filme e com que argumento, já que todas as entrevistas foram concedidas de comum acordo, mesmo a do senador Barbalho, que aliás este não revela absolutamente nada a não ser dos seus benfeitos políticos?” A maioria das imagens e informações sobre os escândalos envolvendo o senador apresentadas no filme de Khon foram extraídas de jornais e televisões brasileiras. Ou Manda Bala é oportunista ou falta com a “ética-social”, aquela do tato e do cuidado ao lidar com temas polêmicos e delicados de uma sociedade estrangeira. Aliás, um cuidado que todo documentarista deve ter quando mira sua câmera para uma realidade qualquer.
Hudson Moura
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